Reproduzo abaixo, texto de José Aristodemo Pinotti publicado hoje, na Folha de S.Paulo denominado Bravata ou patriotismo? Em negrito, destaco as informações que são desconhecidas por muitos e escondidas por poucos.
As discussões sobre quebra de patentes não foram ainda aprofundadas de forma suficiente e fugiram do noticiário. Retomo o assunto. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, em artigo nesta mesma seção ("Tendências/Debates", dia 27/5), mostra a dimensão dessa afirmação, ao dizer: "As indústrias [farmacêuticas nacionais] perderam competitividade internacional ao longo da década de 90". Mas o mercado farmacêutico, que, no começo dessa década, movimentava R$ 4 bilhões, hoje movimenta R$ 22 bilhões, gerando lucros e empregos, predominantemente, para as indústrias sediadas fora do país. Voltemos a 1996 (nada é mais distante que o passado recente). Vemos um Congresso Nacional desinformado e submisso às pressões para aprovar a lei das patentes com três salvaguardas que teriam prevenido não só o atual licenciamento compulsório como também a derrocada da indústria farmoquímica brasileira. Naquela ocasião, tínhamos cerca de 50 fábricas. Hoje, restam menos de 20. A Índia, de quem vamos comprar o Efavirenz, tem mais de mil. As salvaguardas -discutidas, combinadas e depois derrubadas no plenário- eram: 1) "interregno", ou seja, aprovada a lei, teríamos cinco anos para ela entrar em vigor, o que valia dizer: indústria farmoquímica brasileira, aprimore-se e se prepare para a concorrência internacional; 2) "fabricação local" -reconheceríamos as patentes dos medicamentos fabricados aqui, ou seja, estaríamos atendendo o apelo da "propriedade intelectual industrial" e o fim da "pirataria" (se é que ela existia), mas importando ciência e tecnologia abertas, democratizando-as, dando empregos e desenvolvendo o país; 3) "permissão especial aos laboratórios públicos", como a Furp (Fundação para o Remédio Popular) e outras, para fabricarem, sem as proibições patentárias, por um período de dez anos, os medicamentos que seriam distribuídos gratuitamente pelo sistema público de saúde, com economia de recursos e impacto sobre a saúde pública. As duas primeiras salvaguardas eram, inclusive, recomendadas pelo Trips (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), que regula internacionalmente o direito de propriedade intelectual. Faltou coragem, patriotismo, seriedade e independência ao Congresso Nacional, e lembro-me de que, no dia seguinte à aprovação da lei (sem as salvaguardas), o então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, festejou a criação de 60 mil novos empregos no seu país. Onze anos depois, o que vemos por aqui: aumento contínuo no preço dos medicamentos, falência da indústria farmoquímica e a necessidade de agir no varejo, ameaçando uma patente ali, quebrando outra aqui. O Congresso Nacional tem todas as condições e o poder para se redimir, revendo a lei das patentes, o que seria, aí sim, uma manifestação de coragem e patriotismo. Existem lá dois projetos de lei (nº 230 e nº 303, de 2003) de minha autoria. É só fazê-los andar -foram bloqueados pelos mesmos interesses anteriores. Para mostrar que é possível quando existe vontade política, é bom lembrar o que aconteceu com os "genéricos". Depois de conseguirmos desengavetar e colocar o projeto, em caráter de urgência, para ser votado, o então ministro da Saúde, José Serra, com suporte do presidente à época, Fernando Henrique Cardoso, fez dele uma realidade que resultou em menor custo dos medicamentos, geração de empregos e riqueza para o país. Aí está a diferença entre uma bravata, convenhamos, necessária, e uma medida patriótica que desenvolve o país sem afetar a globalização, o capitalismo ou como quiserem nominar esse conjunto de interesses que dominam o mundo contemporâneo. Na verdade, sem fugir muito das regras, é possível proteger o país, como o ex-presidente Clinton fez para os Estados Unidos, em detrimento do nosso. Para isso existem Congresso, governo e democracia
As discussões sobre quebra de patentes não foram ainda aprofundadas de forma suficiente e fugiram do noticiário. Retomo o assunto. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, em artigo nesta mesma seção ("Tendências/Debates", dia 27/5), mostra a dimensão dessa afirmação, ao dizer: "As indústrias [farmacêuticas nacionais] perderam competitividade internacional ao longo da década de 90". Mas o mercado farmacêutico, que, no começo dessa década, movimentava R$ 4 bilhões, hoje movimenta R$ 22 bilhões, gerando lucros e empregos, predominantemente, para as indústrias sediadas fora do país. Voltemos a 1996 (nada é mais distante que o passado recente). Vemos um Congresso Nacional desinformado e submisso às pressões para aprovar a lei das patentes com três salvaguardas que teriam prevenido não só o atual licenciamento compulsório como também a derrocada da indústria farmoquímica brasileira. Naquela ocasião, tínhamos cerca de 50 fábricas. Hoje, restam menos de 20. A Índia, de quem vamos comprar o Efavirenz, tem mais de mil. As salvaguardas -discutidas, combinadas e depois derrubadas no plenário- eram: 1) "interregno", ou seja, aprovada a lei, teríamos cinco anos para ela entrar em vigor, o que valia dizer: indústria farmoquímica brasileira, aprimore-se e se prepare para a concorrência internacional; 2) "fabricação local" -reconheceríamos as patentes dos medicamentos fabricados aqui, ou seja, estaríamos atendendo o apelo da "propriedade intelectual industrial" e o fim da "pirataria" (se é que ela existia), mas importando ciência e tecnologia abertas, democratizando-as, dando empregos e desenvolvendo o país; 3) "permissão especial aos laboratórios públicos", como a Furp (Fundação para o Remédio Popular) e outras, para fabricarem, sem as proibições patentárias, por um período de dez anos, os medicamentos que seriam distribuídos gratuitamente pelo sistema público de saúde, com economia de recursos e impacto sobre a saúde pública. As duas primeiras salvaguardas eram, inclusive, recomendadas pelo Trips (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), que regula internacionalmente o direito de propriedade intelectual. Faltou coragem, patriotismo, seriedade e independência ao Congresso Nacional, e lembro-me de que, no dia seguinte à aprovação da lei (sem as salvaguardas), o então presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, festejou a criação de 60 mil novos empregos no seu país. Onze anos depois, o que vemos por aqui: aumento contínuo no preço dos medicamentos, falência da indústria farmoquímica e a necessidade de agir no varejo, ameaçando uma patente ali, quebrando outra aqui. O Congresso Nacional tem todas as condições e o poder para se redimir, revendo a lei das patentes, o que seria, aí sim, uma manifestação de coragem e patriotismo. Existem lá dois projetos de lei (nº 230 e nº 303, de 2003) de minha autoria. É só fazê-los andar -foram bloqueados pelos mesmos interesses anteriores. Para mostrar que é possível quando existe vontade política, é bom lembrar o que aconteceu com os "genéricos". Depois de conseguirmos desengavetar e colocar o projeto, em caráter de urgência, para ser votado, o então ministro da Saúde, José Serra, com suporte do presidente à época, Fernando Henrique Cardoso, fez dele uma realidade que resultou em menor custo dos medicamentos, geração de empregos e riqueza para o país. Aí está a diferença entre uma bravata, convenhamos, necessária, e uma medida patriótica que desenvolve o país sem afetar a globalização, o capitalismo ou como quiserem nominar esse conjunto de interesses que dominam o mundo contemporâneo. Na verdade, sem fugir muito das regras, é possível proteger o país, como o ex-presidente Clinton fez para os Estados Unidos, em detrimento do nosso. Para isso existem Congresso, governo e democracia
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